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sábado, 25 de setembro de 2010

[saborearte] Bhut jolokia: Uma paixão ardente

 

  Bhut jolokia:  Uma paixão ardente

Pegou fogo: depois que a bhut jolokia foi reconhecida pelo Guinness como a pimenta mais ardida do mundo, a popularidade da especiaria só faz crescer mundo afora

Ignorando o alerta dos entendidos e os vídeos na internet, decidi experimentar. Não, não fiz como os mais corajosos, que pegam metade do fruto (ou o fruto todo) e o mastigam até quase perder os sentidos. Faltou coragem. Mordisquei apenas um pedacinho. O suficiente para concordar com o fotógrafo e empresário Fabiano Marçal. Como ele havia me adiantado, não dá para esquecer o sabor de uma bhut jolokia. Encontrada no Estado de Assam, na Índia, essa variedade da espécie Capsicum chinense é a pimenta mais ardida do mundo, honraria reconhecida pelo Guinness Book. Na Escala Scoville, que mede o grau de pungência das pimentas, ultrapassou a casa de 1 milhão de unidades. Chegou a 1.001.304.
Antes de a bhut tornar-se coqueluche entre os chile heads (termo que define os adoradores da especiaria), quem ocupava o trono nesse ardido reino era a red savina, com ardência que varia de 350 a 577 mil unidades. Para ter uma ideia do que esses números todos provocam na sua língua, a brasileiríssima cumari tem de 100 e 220 mil unidades Scoville e a malagueta, picância variando de 50 a 100 mil unidades. Conhecida também como pimenta-fantasma (quem prova, logo entende por que), a bhut jolokia caiu no domínio público há cinco anos. Por aqui, fala-se dela há cerca de um. E, apesar de nova no pedaço, tem uma legião fiel de adoradores, que não se importa com seus efeitos colaterais.
É impressionante o teste que a empresária Michelle Arruda Pinto Marçal fez e postou no YouTube. Primeira mulher no Brasil a provar a pimenta, comeu o fruto desidratado. "Tinha a sensação de que não ia sair daquilo. Ria e chorava ao mesmo tempo, parecia que tinha uma faca na língua. Sentia a pulsação do coração bem no meio do peito, como se ele fosse sair", conta a sócia da Jolokianos, empresa especializada em molhos com bhut jolokia. Depois de cerca de 10 minutos sob os efeitos da danada, um sentimento de estafa. "Foi como se eu tivesse acabado de pousar de um salto de paraquedas."
Cada organismo comporta-se de uma maneira diante da superpimenta. Aumento de salivação, suor, ânsia, palpitações e tremor nos lábios são reações comuns, mas não as únicas. Ao comer um fruto de seis centímetros, Marçal, marido de Michelle e sócio dela, sentiu fortes dores no estômago. Ficou transtornado e disse que tinha perdido o rumo de casa. Detalhe: ele estava em casa.
Há tempos apaixonado pela especiaria, o fotógrafo olhava as prateleiras à procura dos molhos mais fortes que pudesse encontrar. Não satisfeito com o que havia no mercado e desafiado pelo pai de um amigo, passou a testar variedades. No início do ano, como terapia, começou a cultivar pimentas nucleares, essas que, se não têm 1 milhão de unidades Scoville, chegam bem perto. "Elas causam euforia, relaxamento, dão a sensação de que se sai de órbita", conta. Daí a produzir molhos com esses condimentos foi um passo.
A empresa do casal tem entre seus fornecedores a Fazenda Ituaú, em Salto. Especialista em minilegumes, ganhou fama também pelas pimentas, cultivadas ali há 15 anos. Recentemente, virou assunto por causa da bhut jolokia, a estrela da temporada. De superfície rugosa e cor que vai do verde-claro ao vermelho intenso, a variedade chegou à propriedade ano passado, com sementes vindas da Índia. Hoje, há de 50 a 60 pés, cada um capaz de produzir de 100 a 150 frutos, resultando numa colheita mensal de aproximadamente 30kg. "Olha, só de pegar, já arde a mão", mostra Vander Pereira Bom, que trabalha na produção, ao segurar a mais ardida do mundo. Cada fruto é vendido a R$ 5,00.

A selva de aromas
Embora febre entre os adoradores de pimenta, a bhut jolokia é somente uma entre as muitas variedades cultivadas na Fazenda Ituaú. Segundo Marcelo Cury Abumussi, um dos proprietários, são cerca de 60 variedades, originárias de vários cantos do mundo, incluindo países como México, Japão, Vietnã e Índia. As nacionais, informa, por enquanto, estão em fase de teste.
Por ali, pés de jalapeño, habanero, black rain, black bird, red e yellow mushroon, malagueta, red savina, e calabresa, entre tantos outros tipos, fazem das estufas uma verdadeira selva de pimentas e exalam um aroma delicioso. Tem até a exótica peter pepper, conhecida como penis pepper, e a I83, variedade exclusiva, que não é muito picante e tem raiz resistente a doenças.

Ardência que vicia
Não duvide se ouvir que alguém é viciado em pimenta. A afirmação tem lá seu fundo de verdade. "Quando se come pimenta, tem-se a sensação de queimadura. O sistema nervoso manda uma mensagem para o cérebro, que libera endorfina para amenizar a dor. A substância dá uma sensação de prazer e bem-estar, por isso pimenta vicia", afirma Arlete Marchi Tavares de Melo, pesquisadora científica na área de melhoramento genético em hortaliças no Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Isso explica porque quem consome pimenta com frequência, quer sempre temperos cada vez mais fortes.
Essa ardência que vicia deve-se à capsaicina, substância que compõe a hortaliça e que fica concentrada na placenta, não na semente. Clima, solo e temperatura influenciam, assim como o grau de maturação do fruto. "Mas, o que vale mesmo é a característica intrínseca da pimenta", frisa a pesquisadora. Além de fazer arder, a capsaicina tem propriedades medicinais. Junto da piperina, outro fitoquímico presente nas pimentas, tem, como apontam pesquisas recentes, propriedades anticoagulantes e é capaz de prevenir a formação de coágulos causadores de trombose e derrames cerebrais.
A nutricionista Cristiane Voorpostel, professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e doutoranda em Alimentos e Nutrição pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que, por conta de seu potencial vasodilatador, a capsaicina causa sudorese e rubor facial em quem a consome em excesso ou é sensível a ela. Ainda há evidências de que atua na redução do colesterol.
As pimentas do gênero Capsicum também contêm betacaroteno e licopeno, antioxidantes que aparecem nas pimentas vermelhas e são responsáveis pela prevenção de alguns tipos de câncer. Pesquisas recentes apontam, de acordo com Cristiane, que o consumo de pimentas influencia na liberação de substâncias responsáveis pela sensação de bem-estar. 
Por estimularem as enzimas digestivas, ajudam na digestão. E na perda de quilinhos a mais. "A sensação de saciedade provocada pela pimenta está relacionada ao estímulo que ela produz no organismo para liberação de substâncias capazes de regular o apetite. Alguns estudos ainda mostram que elas possuem substâncias termogênicas, que ajudam a acelerar o gasto de energia pelo organismo", informa a profissional.

Mito ou verdade?
Há quem costume relacionar pimenta com problemas como irritação estomacal, gastrite, hemorróidas... mas será que essa relação existe mesmo? Ou é mais um mito a rondar o imaginário popular? "As pimentas não podem ser apontadas como causa de úlceras, gastrites, hemorróidas ou fissuras anais, mas quem apresenta essas condições precisa evitá-las, pois seu consumo pode agravar o problema em decorrência da irritação que a capsaicina causa nas mucosas", informa Cristiane.
Pessoas com refluxo gástrico devem ficar longe dessas especiarias, porque o consumo estimula a produção de enzimas digestivas, causando irritação no esôfago.

Para paladares menos corajosos
Não precisa ser dos mais destemidos para apreciar uma pimenta. Se não tem a disposição necessária para encarar uma bhut jolokia, sem problemas. Há uma gama enorme de variedades que acrescentam aroma e sabor aos alimentos sem deixar quem os consome fora de órbita. São mais de 30 espécies identificadas, cinco delas cultivadas - Capsicum chinense, Capsicum annuum, Capsicum baccatum, Capsicum frutescens e Capsicum pubescens. Desse quinteto, multiplica-se uma quantidade incontável de tipos, que conquista fãs como a estudante de Gastronomia Larissa Pedretti.
"Prefiro a dedo-de-moça por causa do sabor. Ela tem a ardência na medida certa", justifica Larissa. Apreciadora de pimenta desde criança e criadora do blog Dedo-de-Moça, herdou da família o gosto pelo condimento, uma paixão marcada até na pele. Em sua perna esquerda, tem tatuada uma pimenta dedo-de-moça, desenho que carrega também um quê de superstição. O apreço pela rainha das especiarias é demonstrado ainda ao cultivar a hortaliça em vasos e carregar bolsa, chaveiro, avental, dólmã e bandana, em forma de pimenta ou com estampas dela.
Na casa da estudante, o molho de pimenta é um clássico. "A base é dedo-de-moça, mas também leva alho, cebola, cheiro-verde, vinagre e tem um segredinho de família. Bato os ingredientes no liquidificador e está pronto", ensina Larissa, que distribui o preparo a parentes e amigos.
Chef e sommelier, Everaldo Molina Gil reforça o grupo dos que adoram pimentas – e o dos que têm o fruto tatuado no corpo. Como Larissa, teve seu interesse pela pimenta influenciado pela família e reforçado pela profissão. "Sou descendente direto de africanos com italianos (por parte de mãe) e de espanhóis (por parte de pai). São culturas que trazem o consumo de pimenta. Além disso, minha mãe, uma excelente gourmet, sempre adorou empregar a pimenta em seus pratos, realçando o sabor. Ela dizia que dá vida ao prato. E realmente dá", diz.
A preferida de Gil é a tabasco, pelo grau de ardume, sabor e facilidade de compra. Tem também na lista de favoritas a pimenta-da-Jamaica, variedade aromática pouco picante e ligeiramente adocicada. Com coloração marrom, sabor e perfume que lembram noz-moscada, cravo, menta e canela, é empregada no preparo de legumes, carnes de caça, frutos do mar, patês, doces, tortas e pudins.

No mundo das especiarias
"Antes, a gente via pimentas no balcão de bares e padarias. Hoje, elas estão em restaurantes cinco estrelas". A afirmação de Nelusko Linguanotto Neto, autor de Dicionário gastronômico – pimentas e suas receitas (Editora Boccato), comprova o crescimento do interesse do brasileiro por pimentas e especiarias de modo geral. Aumento que é também reflexo da atenção que se tem dispensado à gastronomia e assuntos relacionados a ela. "A gastronomia cresceu, houve um aumento no número de faculdades, visitas de chefs estrelados. Isso tudo gera interesse do consumidor, que busca temperos diferentes, pimentas diferentes", diz Nelo, proprietário da Bombay Herbs e Spices.
Para iniciar a aventura pelo condimentado universo das especiarias, é fundamental experimentar. Só assim se percebe as variações entre um tipo e outro e se detecta as preferências. Entendidos do assunto dizem que o melhor caminho é começar pelas variedades com menor pungência. Depois, aos poucos, pode-se aumentar o grau de ardência. Para Butcha Giacomin, apresentador do Clube do Gordinho (Band), o melhor é empregar as pimentas para "temperar" os alimentos, usando-a com moderação. "Assim como o sal, devemos usá-las aos poucos, pois é mais fácil adicionar do que tirar". Larissa Pedretti concorda. "Se estiver fraco, você pode colocar mais. Em excesso, a pimenta estraga o prato."

Qual é a melhor forma?
Das bancas das feiras aos empórios mais descolados, há uma ampla diversidade de pimentas, disponíveis in natura ou na forma de conservas, molhos, pastas ou geleias. Mas, afinal, existe uma maneira mais adequada de consumir o condimento? "O melhor é consumir o fruto (inteiro ou fatiado), conservado em vinagre de baixa acidez. No mundo todo, consome-se mais molho do que o fruto. É mais fácil, mas não é o melhor", decreta Marcelo Cury, sócio da Cia das Ervas.
Butcha Giacomin comenta que os brasileiros apreciam a pimenta curtida e em molho. "Existem centenas de pimentas e molhos apimentados no mercado, várias fórmulas, tipos e composições. Não vejo problema algum nelas. Até coleciono. Fazer em casa também é muito divertido", diz. Não há dados sobre o consumo do tempero por aqui, mas acredita-se que seja semelhante ao europeu (de 0,05 a 05g/dia). Uma média bem distante da asiática. No continente que é o maior produtor e consumidor mundial de pimenta, o consumo diário individual é de cerca de 8g de pimenta.
Instalada em Morungaba (SP), a Cia das Ervas cultiva oito variedades (vermelha, jalapeño, caiena, murupi, habanero, cheiro, tabasco e malagueta), usadas em conservas, molhos, geleias e pastas, à venda no Brasil e exportada para países como Dinamarca, Austrália, Japão, EUA, Canadá e Uruguai. Entre os produtos feitos com pimentas, destaque para o blend, um mix das variedades vermelha, de cheiro, malagueta, cumari do Pará e cumari, em calda de vinagre e especiarias.
Especialíssimo, porém, é mesmo o escabeche de pimentas, antepasto elaborado com jalapeño, cebola, tomate seco e cenoura, em conserva de óleo vegetal e tempero com especiarias. "Pimenta não é só ardume, tem o sabor, o aroma. O brasileiro procura sabor. Ele gosta de pimenta, mas não pode ser forte demais. Numa escala de zero a dez, gosta das intermediárias", analisa.

As mais mais
Pimenta-de-cheiro, dedo-de-moça, cumari e malagueta estão entre as pimentas mais cultivadas e consumidas no Brasil. A pimenta-do-reino, que não é do gênero capsicum, também é bastante apreciada por aqui. Nas Centrais de Abastecimento S/A (Ceasa) de Campinas, há 40 permissionários vendendo a especiaria e a oferta mensal do produto gira em torno de 50 toneladas. As variedades mais procuradas no entreposto são dedo-de-moça, americana, malagueta e cumari. Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), pimenta-verde americana (1.341.240 quilos), cambuci (1.224.924), pimenta-vermelha (985.260) e verde (206.256) foram as mais vendidas em 2009.

Por pimentas melhoradas
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceira com órgãos públicos e o setor privado, desenvolve, há 30 anos, um programa de melhoramento pimentas capsicum. A meta é pesquisar e apresentar soluções para o mercado produtivo, de acordo com Francisco Reifschneider, assessor da presidência e líder do programa, ligado ao Setor de Hortaliças. O trabalho é amplo. Vai da coleta de germoplasma ao processamento de cultivares para empresas privadas. 
O programa é responsável ainda pelo desenvolvimento de novas variedades, como a BRS Moema, pimenta da variedade biquinho, uniforme e resistente a vírus, e a BRS Mari, do tipo dedo-de-moça, picante, produtiva, razoavelmente rústica e com resistência aceitável a traquinose. Depois de passar por Rio e São Paulo, é testada na região Sul, e a expectativa é que esteja no mercado no final do ano. Em junho, deve ser lançada a BRS Seriema, da variedade pimenta-de-bode.
"No passado, nossa preocupação era produtividade. Hoje, a preocupação está também no ganho em qualidade e na quantidade de vitamina C, um antioxidante natural", comenta Reifschneider. O teor de vitamina C varia de uma espécie para outra, mas, segundo a nutricionista Cristiane Voorpostel, há cerca de 50mg da substância a cada 30g de pimenta, em média. 
De acordo com ela, a recomendação diária para mulheres de 19 anos ou mais é de 75mg de vitamina C, quantidade que também pode ser suprida com 100ml de suco de laranja. "O consumo regular e moderado de alimentos que são fontes de vitamina C está relacionado a diversos benefícios ao organismo, como melhoria da imunidade, síntese de colágeno e combate aos radicais livres, além de melhorar a absorção de ferro dos alimentos, prevenindo a anemia ferropriva", explica.

PARES PERFEITOS

Pimentas são como vinhos, que se harmonizam melhor com determinado prato do que com outro. O chef Everaldo Molina Gil lista aqui as combinações perfeitas e lembra que saber dosar é importante para que ela não se sobressaia ao prato.

1. Pimenta-de-cheiro: típica da culinária nordestina, é presença obrigatória em pratos como xinxim de galinha e bobó.
2. Malagueta: empregada em molhos, conservas e no preparo de peixes, carnes, feijoada e acarajé. 
3. Chilli e pimenta-síria: ideais para sopas, cremes, molhos cremosos e de tomate, frutos do mar, carnes, aves, vegetais e coquetéis. 
4. Dedo-de-moça: mais suave do que a malagueta e ligeiramente mais picante do que a jalapeño, pode ser usada em grande variedade de pratos. É empregada em molhos e peixes.

Ana Marson
ana.marson@rac.com.br
Especial para a Revista Metropole

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